quinta-feira, 21 de maio de 2015

ENTREVISTA DOS ESTUDANTES DA FUNDAÇÃO PRO DIGNITATE ALFREDO ALEXANDRE COSTA E LUÍS BRÁS COM O PROFESSOR ADRIANO MOREIRA

Luís Brás – Esta entrevista tem o mote da carta que escreveu a Sua Santidade o Papa pedindo um pensamento sobre a criação de um Conselho das Religiões e esse pensamento tem várias nuances no mundo de hoje. Começava por lhe pedir uma opinião sobre o estado do mundo atual. Isto é, depois da criação de uma plataforma digital que uniu o mundo, se essa união em vez de aproximar as pessoas, as religiões, as diferentes congregações mundiais de vários tipos de religião e união social, se não fez antes criar maiores divisões seculares e religiosas e contribuiu para alimentar um certo tipo de guerras?



Professor Adriano Moreira: O projeto mundializante da governança ficou expresso na Carta das Nações Unidas no fim da guerra de 1939 – 1945. E há um problema com a Carta e depois com a subsequente Declaração Universal dos Direitos Humanos. É que foram documentos escritos apenas pelos ocidentais e, portanto, os ocidentais tiveram como guia os conceitos da sua área cultural, os valores da sua área cultural. Quando começaram a entrar os países que ganharam a independência, foi a primeira vez que na história humanidade, todas as áreas culturais do mundo falaram em liberdade e assinaram a Carta, e assinaram a Declaração Universal dos Direitos do Homem, mas as mesmas palavras não tinham mesmo sentido em todas as áreas. Por exemplo: vem lá como declaração de direito fundamental o direito à propriedade; assinaram os ocidentais e assinaram os soviéticos, não estavam a dizer a mesma coisa. Também, por outro lado, a Declaração, creio que é a primeira declaração que consigna este princípio que a família é a base da estrutura social. As áreas culturais do mundo desde os poligâmicos às famílias de facto, têm maneiras variadíssimas de constituir a família! Estavam a falar na mesma coisa? Provavelmente não estavam a falar na mesma coisa.
O resultado foi que entre esses ocidentais, e decorrente tal resultado do facto de antes de começar a guerra a hierarquia das potências estar esclarecida pelos factos, apareceram, numa carta que diz que todos os estados são iguais, os cinco estados mais iguais que foram os que ficaram com direito de veto, entre eles a França e a Inglaterra. Simplesmente, na hierarquia posterior à Guerra, que trouxe tanta destruição e ao mesmo tempo implicou que os ocidentais perdessem a hegemonia, que lhes dava os domínios das matérias-primas e dos mercados dos produtos acabados e a liberdade de estabelecer níveis de salários abaixo das exigências da dignidade humana, começaram a ver não apenas nascer as novas potências que vêm desses países, do ponto de vista económico, como a ter que lutar com as novas circunstâncias, porque lhes faltou a partir dali, da descolonização, essa proeminência que tinham antigamente.
Isto está a ser compensado pelos movimentos da regionalização, quer dizer os países juntam-se para aparecerem perante a globalização numa posição que antigamente era procurada com a soberania própria. A União Europeia é hoje o exemplo mais acabado dessa busca pela regionalização. O modelo também está em formação na América Latina e também em formação no oriente. Simplesmente uma regionalização precisa de conceito estratégico específico, tal como os países, e a União Europeia até hoje não definiu o seu conceito estratégico e, estamos a viver nesta contradição. É que têm direito do veto duas potências europeias, cada uma das quais não tem capacidade estratégica para ter esse privilégio. Esta situação implicou naturalmente em muitos aspectos conflitos graves que estão aparecer. E eu tenho resumido esses conflitos, tendo como caraterística principal, o conflito entre a memória e a lei. E dou exemplos: A primeira guerra mundial terminou com a eliminação dos impérios europeus continentais, que era o império germânico, o Austro-Húngaro, o Russo e até o Turco. A segunda guerra mundial terminou com o fim dos impérios coloniais, com custos humanos extraordinários para cada uma das potências coloniais e dos povos que se revoltaram. Esse facto implicou o reavivar do conflito entre as memórias e os tratados. E assim, por exemplo a Alemanha esquece-se que foi titular de um império? Isso não ajuda ao papel directório que tem progressivamente assumido, impedindo a formação do conceito estratégico europeu? Julgo que este facto tem tido importância. Ponho isso como hipótese. Mas também chamo atenção para o discurso do Presidente da Rússia e a intervenção que fez na Ucrânia. A Europa quis que a Ucrânia entrasse para a União Europeia, esquecendo-se que a memória imperial da Rússia sempre teve aquela região como elemento fundamental. E o presidente da Rússia fez um discurso, e eu até tive uma aula na Universidade Católica onde os estudantes me pediram para fazer uma aula sobre o discurso, eu disse: sobre o discurso não vale a pena, vale pena sobre o retrato, aquele retrato publicado que trazia o presidente a fazer o discurso rodeado de generais solenemente fardados e medalhados. A mensagem estava no retrato e o que ele afirmou é que a sua fronteira de interesses era mais vasta que a fronteira geográfica, e as consequências estão a ver-se.
Vou amanhã a Coimbra fazer uma conferência sobre situação europeia e a minha pergunta principal é esta: A Europa está em paz ou está em guerra? Depois da declaração do estado Islâmico do Iraque e do Levante, esta é a pergunta fundamental. O confronto entre as unidades culturais está a ser anárquico e porquê? Porque a criação da regionalização europeia foi feita de fronteiras abertas, promoveu as imigrações com a imagem que os factos vão desvanecendo de que é uma região rica e em crescimento quando neste momento está a enfrentar uma crise extraordinária. O resultado é que esse movimento tem transformado o mediterrâneo num cemitério, esse cemitério tem na base o desenvolvimento de atividades criminosas, designadamente as empresas que promovem os transportes nas condições precárias que todos estamos a verificar e isto ao mesmo tempo que os movimentos de insatisfação das populações estão a derrubar os governos ou a perturbar a paz social, invocando a democracia, com o tal problema das palavras terem um sentido diferente consoante os lugares onde são utilizadas e a criar uma região, uma área vastíssima de instabilidade onde um estado assume - um estado, quer dizer um autoproclamado estado, que é o estado Islâmico, acaba de proclamar que tem como o objetivo destruir a nossa Roma e os símbolos religiosos ocidentais.
E aqui vem o problema da importância das religiões. Nós temos uma espécie de testamento intelectual de Malraux.  Foi um homem que teve uma vida muito dedicada aos direitos dos povos e à legitimação das revoltas e participando mesmo na ação, ele esteve nas revoltas do oriente, ele tomou parte na revolução espanhola contra o Franco, depois foi ministro do De Gaulle, deixou um livro lindíssimo chamado “Quando as catedrais eram brancas” e esse homem deixou esta afirmação: “o séc. XXI ou será religioso ou não será!”. O que significava que ou as religiões se põem de acordo ou haverá guerras confrontando áreas culturais com paradigma religioso diferente e que sacraliza a intervenção da força - foi o caso do terrorismo, que incluiu valores religiosos no seu conceito estratégico e é o que está a acontecer com o estado Islâmico que invoca o Alcorão a justificar as ações violentíssimas que está a praticar. E foi por isso, que se multiplicaram movimentos e o primeiro com grande significado foi o de Assis, ainda com o Papa João Paulo II, de encontro das religiões e eu ainda assisti uma dessas missas colectivas com assistência de representantes de todas as religiões, em Assis. E está convocado, pelo Vaticano, um encontro numa região oriental, de encontro das religiões.
Ora, justamente a minha proposta, isto é a coisa mais importante da entrevista que estamos a ter, é que não são reuniões ocasionais que a situação está a exigir. Está a exigir um organismo onde as religiões tenham um diálogo permanente e a voz permanente, desde que coincidente nas conclusões, seja ouvida. Em segundo lugar são as Nações Unidas, porque as Nações Unidas que foram a expressão do grande sonho alimentado pelos pacifistas ao longo dos tempos, apesar de uma intervenção muito humanitária e generosa, em questões de pobreza, em questões do desenvolvimento em questões das diferenças culturais etc., as Nações Unidas estão a ser bastante esquecidas. Nós estamos numa crise económica mundial e ninguém convocou o conselho económico e social, o que é extraordinário, porque a função do conselho económico e social é estudar estas questões e fazer recomendações, designadamente ao conselho de segurança quando for necessário e nunca foi convocado. Aliás, há outros casos, que é o caso, por exemplo, da situação de trabalho com descida de salários em toda a parte. Há um organismo encarregado disso, chama-se BIT, ninguém convocou BIT até hoje, estes organismos estão a ser esquecidos. Ora, nas Nações Unidas há uma tradição, espero que ainda seja mantida, que se traduziu num dos primeiros Secretários gerais notabilíssimo, o senhor  Hammarskjold, que constituiu uma sala, organizou uma sala muito simples, despida de ornamentação, só os lugares, bancos vulgares, tendo ao meio uma espécie de altar com uma pedra translúcida com uma luz que desce do teto sobre essa pedra, e chama-se sala de meditação para todas as religiões. 
A ideia que me surgiu disso foi na celebração do centenário da democracia cristã, em Coimbra, eu fiz a proposta, propus que fosse feita a proposta da organização do conselho permanente das religiões nas Nações Unidas, conselho esse que realizaria a resposta aquele vaticínio de Maraux, o “século XXI ou será religioso ou não será”. Esperemos que seja, daí a proposta.

Luís Brás – Em que medida é que contribuiria a criação do conselho das religiões para a paz no mundo ou pelo menos em que medida contribuiria mais do que o próprio conselho de segurança das Nações Unidas?

Não se trata primeiro de contribuir mais, mas trata-se de tentar eliminar os motivos de conflito da diferença de valores religiosos. Porque eu creio que há hoje duas ameaças a aumentar a crueldade na terra: Uma, a criação de instrumentos de combate, designadamente aviões sem tripulação, procurando reduzir (a expressão técnica que usam) a zero as perdas de quem tenha o poder dominante. Eu devo dizer-vos que uma das razões que torna as guerras, todas as guerras,… (acompanhadas por um dramatismo que se mantém para além do fim das guerras), é que a visão do adversário que é agredido e morto nunca mais se apaga da memória de quem o faz. A utilização de armas não tripuladas, eu julgo que vai aumentar crueldade das guerras. Já é suficiente que hoje estejam, pelo menos segundo as estatísticas, trezentas mil crianças a participarem em combates, e não são elas que compram as armas, e portanto alguém as paga e os complexos industriais militares estão a tirar o proveito.
A outra razão do aumento da crueldade tem sido a inclusão de motivos religiosos nos conceitos estratégicos. A primeira grande demonstração, embora tivesse havido outras, foi o derrube das torres em Nova York e a falta de necessidade de exércitos. Bastaram uns pequenos grupos e continuam a bastar uns pequenos grupos para provocar destruições tremendas, como se viu e por consequência, é o urgente que os conflitos não tenham elementos e valores religiosos nos seus conceitos estratégicos. E como a maior parte das áreas culturais que professam religiões monoteístas têm valores que são coincidentes, o grande problema é encontrar o denominador comum. É a isso que se tem dedicado o professor alemão Kung e é certamente o problema ou questão que pode unificar um conselho de religiões monoteístas, e seria um grande serviço para a humanidade e para diminuir, desde que não possam desaparecer, as guerras, porque hoje nós vivemos numa época de guerra em toda a parte. Já que não podemos eliminar esse flagelo, que se diminua a crueldade com exclusão dos motivos religiosos no conceito estratégico das guerras. O Conselho teria essa função.

Luís Brás – Voltando a Malraux, ele disse: se compreendêssemos, nunca mais poderíamos julgar. É a compreensão que se pretende ou apenas um diálogo inicial?


É a compreensão, é evidente.
Nós também tivemos, no passado, a introdução de elementos religiosos na expansão colonial e as consequências foram terríveis. Nós não podemos ignorar que tivemos a escravidão, que tivemos o transporte que foi pior que a escravidão, tivemos a inquisição, tivemos expulsão de povos como os judeus. Mas nós não recebemos a nossa cultura e as nossas pátrias a benefício de inventário. Temos que aceitar o passado, como foi, e louvar a emergência que tenha realizado valores, é isso que se procura, é isso que se procura! E portanto, o encontro permanente das religiões com um denominador ou paradigma comum que é obter a paz e segundo, eliminar motivos religiosos que agravam a crueldade de combates, como se tem visto, é, a meu ver, uma contribuição importantíssima para a paz e, quando não for a paz, para a diminuição da crueldade no combate como tem acontecido, a ideia é esta.

Luís Brás – É um optimista?
Eu tenho esperança, e isso também tem a ver com os motivos religiosos, eu sou católico. A esperança é última que acaba e que acaba quando já não é necessária.

Alfredo Alexandre Costa –  O que falhou no processo da descolonização de alguns países que vimos que até hoje ainda estão em conflito desde a descolonização?  



A criação dos estados (para simplificar e tornar mais acessível a leitura de qualquer resposta), a criação de estados em regra antecedeu a criação de nações e mesmo Portugal é um exemplo. Nós dizemos que somos portugueses mas somos uma mistura de nativos, romanos, alanos, vândalos, suevos, visigóticos, muçulmanos, africanos, e vêm aqui a dizer que somos portugueses, mas isto levou séculos. Por isso se diz, foi um grande conceito de Lord Acton que escreveu um livro sobre “Ensaios Sobre a Liberdade” foi já no séc. XIX dizendo isto: “Em geral, não são as nações que dão origem aos estados, são os estados que dão origem às nações”. E eu sempre me lembro de um quadro de uma pintora moçambicana que eu conheci, que não se chamava libertem a minha nação, chamava-se deixem passar o meu povo. O povo era todo o povo da colónia de Moçambique.
Como leva muito tempo a constituir uma nação, essas antigas colónias não correspondem às nações como regra, nem os ocidentais deixaram verdadeiramente recordações democráticas. Porque o regime colonial, mesmo quando era democrático na origem, não o era no governo das colónias. Chamasse-se o governador: governador, vice-rei, alto-comissário, tinha os poderes todos, não tinha divisão de poderes como é no poder democrático. E portanto, é necessário um grande humanismo para desafiar um processo, desfiar um processo, que venha dar origem a uma nação. Como essas nações de facto levam tempo a criar, há muitos territórios (e em áfrica isso é evidente) em que os conflitos internos surgem, porque as chefias tradicionais não são dessa natureza de nações e vai levar tempo. E isso, pode ser ajudado pelas organizações internacionais. Designadamente as nações unidas, que fazem um grande empenho em tornar acessíveis, em convivências respeitosas, as culturas diferentes, até têm um comissário para esse efeito. E eu costumo resumir isto desta maneira: Eu não tenho que cultivar tolerância pelas culturas diferentes, tenho que cultivar o respeito pelas culturas diferentes. É diferente da tolerância. Eu só preciso ser tolerante para as coisas de que não gosto, para as outras não tenho que ser tolerante. Tolerância tem que ser substituída, tem que ser ultrapassada essa ideia pelo respeito. Em segundo lugar, porque leva tempo a implantar, o conselho das religiões pode conseguir ajudar seguramente nesse sentido, é necessário substituir o combate pelo diálogo. Em terceiro lugar é necessário aprender de que quando entram em conflito direitos com exigência de igual dignidade, cada um deve ceder o necessário para que possam subsistir ambos, isto era uma regra do código civil de Seabra, português. Estas três coisas são fundamentais. E como as culturas têm grande componente de valor religioso, nós temos que reconhecer isso e procurar que, estabelecido o respeito, a colaboração possa conseguir que ou a paz ou pelo menos a eliminação ou diminuição da crueldade sejam objectivos atingidos. Isso e a anulação dos factores religiosos nos conceitos estratégicos políticos que se combatem. É isto.

Alfredo Alexandre Costa –  O que deve fazer a ONU para acabar com a gratuitidade do suicídio involuntário no mediterrâneo?



Eu aí suponho que em primeiro lugar há uma atividade criminosa que tem de ser assumido que é criminosa: não pode omitir-se que o transporte daquelas multidões em meios de comunicação que são frágeis, que não resistem à natureza e que implica a morte de gente que sacrificou todos os haveres que tinha para adquirir uma vida digna, que tem na base uma criminalidade que exige acordo dos países para ser reprimida.
Em segundo lugar, é preciso cada vez mais ser autêntico nas imagens que se invocam dos países. Naturalmente a emigração é muito determinada por motivos económicos, isso é evidente. Nós próprios na Europa sabemos isso. Os países do sul da Europa, que representam o antigo Império Romano, se reparamos nisso, hoje estão a assistir a uma emigração enorme de gente porque a pobreza os empurra para a emigração e quando as pessoas emigram procuram lugares que pela sua imagem lhes transmita a esperança de uma vida melhor. A imagem de uma Europa rica que tem lugar para essas emigrações é uma imagem que já não é a realidade porque o desemprego é brutal e portanto, é necessário que a propaganda da imagem seja a propaganda da imagem da realidade e não uma imagem mentirosa que atrai como se fosse o paraíso por um caminho que é para o purgatório - é o que está a acontecer. A autenticidade é fundamental nisto e não é o que está a acontecer com todas as propagandas que enganam. Mas essa propaganda enganosa tem na base uma exploração criminosa e evidente nesta matéria das emigrações. Depois isso tem consequências enormes que é o seguinte: é que os grupos de emigrantes que se formam não são comunidades, porque não nasceu o sentimento de unidade sequer, a comunidade de afetos que faz uma comunidade. São multidões e isso não serve a integração nem serve uma boa ordem que respeite a dignidade de todos, o que leva portanto aqueles conflitos internos que se estão infelizmente a multiplicar e até na Europa, como sabe, e até nos Estados Unidos.
Pelos últimos acontecimentos estamos a ver que os chamados mitos raciais estão a renascer e esses mitos raciais animaram muito a Segunda Guerra Mundial, são mitos que nós estudámos profundamente e conhecemos profundamente e achámos que tínhamos conseguido eliminar e eles estão hoje a renascer. É o mito do negro, o mito do mestiço, o mito do ariano e o mito do judeu e isto, pensávamos nós, depois da mortandade e destruições da última guerra mundial, podia ser aniquilado pela igualdade das condições, mas está a renascer e ao que parece em mais que um sítio, em toda a África, do Cabo ao Cairo, é verdade. E eu, não gosto de ler as notícias diárias dos mitos religiosos nos Estados Unidos neste momento, não as acho satisfatórias. O Conselho de Religiões pode ajudar nisto.

Alfredo Alexandre Costa Como o Professor explicou que quando os ocidentais criaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, fizeram-na um modelo ocidental. E se redefinirem e criarem um novo Conselho, vão criar uma nova Declaração Universal, considerando todos os pontos do mundo, o modelo asiático, o modelo americano bem como modelo europeu?

Não: as palavras podem ser as mesmas. O que nós reconhecemos é que é a mesma palavra cobre realidades diferentes. Toda a revolta dos países árabes contra os regimes antigos autoritários invoca a democracia, não estão a dizer a mesma coisa que diz a América ou que diz a França ou que diz Portugal. Não é isso. Estão a usar a mesma palavra. Aquilo que nós precisamos primeiro é encontrar denominadores comuns. Quando nós dizemos que todos os homens têm a mesma dignidade, é preciso assegurar que esse denominador comum é respeitado. Porque ter a mesma dignidade não é incompatível com ter culturas diferenciadas; o ter mesma dignidade não tem nada que ver com a cor com que as pessoas nascem e portanto a busca desse denominador comum, incluindo a dignidade da pessoa humana, é que é fundamental. Não é preciso alterar nada na Carta de Direitos.


Eu tenho um conceito para resumir isto, é que cada homem é um fenómeno que não se repete na história da humanidade. O seu fenómeno nunca mais se repete. O meu nunca mais se repete. Nós só temos uma oportunidade e isso é o grande valor de cada pessoa: é um caso único na história da humanidade, cada um, seja qual for a cor, seja qual for a etnia, seja qual for a região em que nasceu, é um fenómeno único na história da humanidade e daí resulta o seu valor que não pode ser violado. O princípio da dignidade humana, é isto. 

quarta-feira, 20 de maio de 2015

CARTA DO PROFESSOR ADRIANO MOREIRA AO PAPA FRANCISCO


Academia das Ciências de Lisboa

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA




A Sua Santidade
O Papa Francisco
Secretaria de Estado
Palazzo Apostólico Vaticano
00120 Città del Vaticano
ROMA - Itália

Lisboa, 2 de Fevereiro de 2015

Vossa Santidade:

Quando da celebração do Centenário do Centro Académico da Democracia Cristã, de Coimbra, no ano passado, pediram-me para ali fazer uma conferência relacionada com a situação atual, depois de tantas décadas, passando em revista os factos mais relevantes desse longo período. Mais uma vez me feriu a atenção que estavam a manifestar-se sinais claros da previsão de Malraux sobre o século XXI, “que será religioso ou não será”. E por isso, naquela palestra, sugeri que seria necessário, desenvolver uma iniciativa que julgo devida ao grande Secretário Geral da ONU, que foi Dag Hammarskjöld, ao criar uma sala singela para meditação de todas as religiões. Também foi importante ter reparado, há anos, que o principal fator de gravidade do terrorismo, tornado evidente no ataque às Torres Gémeas de Nova York, que a Al-Qaeda tinha incluído valores religiosos no seu conceito estratégico. O estado do mundo neste 2015, com um aviso alarmante no massacre de Paris, voltou a impor a evidência de que existem nesta data guerras “nos quatros cantos do mundo”, que volta de novo, e com nova face, a evidenciar-se a velha linha do Cabo ao Cairo, que a área ocidental está desorientada com a multiplicação de conflitos que não cabem nos conceitos da estratégia clássicos, falando-se em guerras entre Estados, guerras interiores aos Estados, guerras alheias aos Estados, com um cortejo aterrador de crimes contra a Humanidade, mortandade de crianças, destruição de estruturas seculares, ou ainda as situações que não são de guerra nem de paz. As últimas intervenções de Vossa Santidade, quer pela palavra, quer pela presença, levam-me ao atrevimento de lhe enviar, e repetir, a sugestão que fiz na reunião de Coimbra: na ONU, em perda de autoridade, deveria ser criado, ao lado dos órgãos institucionais da Carta, um Conselho das Religiões, a estruturar segundo a experiência da ONU e a que tem sido ganha, sobretudo desde as reuniões de Assis, com as sucessivas iniciativas de encontros, conclusões, e ação, das Igrejas a bem da paz. Se a Igreja Católica tomasse a iniciativa, com respeito institucional, enriqueceria utilmente a contribuição que lhe pertence na doutrinação da paz, designadamente tendo enriquecido, com mestres, o património imaterial da humanidade, tão descuidado e violado neste século sem bússola.

Respeitosamente, o fiel


(Adriano Moreira)
Presidente do Instituto de Altos Estudos da ACL


P. S. Junto, pedindo desculpa, um Currículo apenas para ser absolvido do atrevimento.


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